Notícias

Equilíbrio no trato do condômino em atraso

O Código de Processo Civil de 2015 retoma, claramente, a possibilidade de demanda de execução para o condomínio edilício obter as contribuições não pagas a bom tempo por condômino, com atualização monetária e todos os acréscimos de mora, tornando mais rápida a satisfação do crédito e abreviando o prejuízo à comunidade. A própria unidade autônoma responde pela dívida, considerada propter rem, e pode ser penhorada. O crédito condominial prepondera sobre inúmeros outros, de natureza diversa. Em caso de falência ou insolvência do consorte, esse crédito costuma ser incluído nos encargos da massa, fora do concurso universal.

Em último caso e desde que autorizado por assembleia, o ente corporativo pode, segundo jurisprudência, não havendo outros licitantes em praça pública, haver para si a unidade autônoma do devedor, devendo a serventia de imóveis fazer o registro. A situação, rara e excepcional, enseja dificuldade, devido ao não reconhecimento, pela lei, da plena personalidade jurídica do condomínio edilício.

É defensável seguir o caminho indicado pelo art. 1.316 e seu § 1o do Código Civil de 2002. Esses preceitos estão inseridos na regulamentação do condomínio voluntário, mas sua extensão ao condomínio edilício não parece incompatível. Tais normas permitem que, de comum acordo, o condômino se exima do pagamento das despesas e dívidas, desde que renuncie à sua quota na propriedade e que, simultaneamente, haja a assunção, por todos ou por alguns condôminos, desses débitos, os quais, assim, adquirem a mesma quota, na proporção dos ônus assumidos. 

Esse remédio talvez passe a ser usado quando o legislador fizer a previsão de que esse negócio jurídico complexo é registrável, o que não consta expressamente do art. 167 da Lei no 6.015, de 1973 (Lei de Registros Públicos). Enquanto isso não acontece, pode-se usar a renúncia associada a um dos atos jurídicos típicos, como dação em pagamento ou venda e compra, celebrados por escritura pública ou validados por provimento jurisdicional (p. ex., CPC, art. 725, inc. VIII, isto é, por homologação de autocomposição extrajudicial), para que o ajuste, com o registro, opere efetiva transmissão da propriedade.

Quando o CC atual reduziu drasticamente (de 20% para 2%) a multa por atraso do condômino no pagamento de sua parte nas despesas condominiais, os interessados nesse tema, pressupondo que tal diminuição incentivasse a inadimplência, começaram a ressuscitar teses não cogitadas antes com tanta intensidade e que não eram bem aceitas. Entre essas teses estão: possibilidade de fazer o protesto cartorário do boleto de cobrança (criando restrições de crédito ao faltoso); aplicação de juros por atraso em percentual superior a 1% ao mês e imposição cumulada de multa disciplinar, por reiterada conduta inadequada. Com a inclusão do débito condominial no rol dos títulos executivos extrajudiciais pelo CPC vigente, a primeira tese ganha força e a dos juros encontra respaldo na jurisprudência. A terceira tese tem prestígio no Eg. STJ.

Já a proibição do uso de áreas e coisas comuns do edifício, a mais perversa pressão sobre o condômino inadimplente e sua família, que vem ganhando espaço entre doutrinadores de renome e colecionando r. julgados, tem sofrido severas baixas.

Os mais radicais defendem o corte de serviços e de equipamentos essenciais, como os de abastecimento de água, de elevador etc. Esse exagero foi coibido pelo Eg. STJ, conforme se depreende do v. acórdão do REsp no 1.401.815-ES. Contudo, neste v. acórdão, a I. min. Nancy Andrighi abriu caminho para impor algumas privações ao inadimplente, ao dizer que “não haveria ilicitude na restrição à utilização de bens e serviços de caráter supérfluo, tais como piscina, sauna, salão de festas, porquanto a falta de qualidade de essencial descaracterizaria a violação de direitos fundamentais”. Pouco depois, todavia, o mesmo tribunal superior, no REsp no 1.564.030-MG, retomou a tradição e foi ainda menos complacente com essa modalidade de pressão sobre o faltoso. Para o I. min. Marco Aurélio Bellizze, “não é permitido ao condomínio, a pretexto de obter a satisfação da obrigação, impor sanções diversas daquelas previstas no Código Civil para esta específica hipótese (penalidades pecuniárias) que venham a impedir o uso de partes comuns, seja qual for a sua destinação”. A fundamentação utilizada é densa, sendo indispensável a leitura do v. acórdão. A privação do uso de áreas e coisas comuns viola a natureza do instituto da propriedade compartilhada.

Qualquer pressão extra sobre o condômino em atraso, além de dever passar pela convenção e pela assembleia, depende de profunda análise de sua legalidade, para que o próprio condomínio, inicialmente inocente, mas cometendo, pela sua administração, abuso de direito ou outro ilícito grave, não seja ainda mais onerado, tendo que indenizar o consorte inadimplente por danos morais e materiais. Mais equilibrado e eficiente, além de menos arriscado, é o condomínio iniciar o processo de execução ou cobrança o quanto antes e aplicar as penalidades pecuniárias expressamente previstas no CC e na convenção. O atual CPC favorece essa conduta. O administrador e o síndico, se agirem por conta própria e de maneira açodada, podem ter que ressarcir o ente corporativo.