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Sustentabilidade e rateio justo das despesas de condomínio

O consumo sustentável dos recursos naturais, sobretudo da água, preocupa constantemente. Com esse e outros objetivos, em 2007, surgiu a Lei no 11.445. No art. 29, § 1o, inc. IV, ela estabelece uma das diretrizes para a cobrança do respectivo fornecimento, isto é, a “inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos”, o que tem se materializado, p. ex., na exigência de valor a mais pelo uso superior à média calculada pela fornecedora. É fácil vigiar o exagero entre usuários, mais próximos entre si, de uma unidade imobiliária isolada, casa ou estabelecimento empresarial, que possui seu equipamento exclusivo de medição.

Todavia, na imensa maioria dos edifícios em condomínio, com várias unidades imobiliárias unidas por áreas, equipamentos e coisas comuns, não existem medidores individuais de consumo de água e, assim, o controle ideal do desperdício é impossível, pela inviabilidade de identificação do autor do uso abusivo. Alguns condôminos, consumidores responsáveis, acabam pagando pela desídia dos consortes despreocupados com a sustentabilidade, o que é injusto.

A recente Lei no 13.312, de 12 de julho de 2016, pretende acabar com esse problema criando o § 3o do art. 29 do diploma legal acima aludido, segundo o qual “as novas edificações condominiais adotarão padrões de sustentabilidade ambiental que incluam, entre outros procedimentos, a medição individualizada do consumo hídrico por unidade imobiliária”. Essa lei, contudo, para que todos os interessados e envolvidos possam se adaptar, incluindo poderes públicos e fornecedores, só entrará em vigor e se tornará obrigatória (art. 1o) em cinco anos (vacatio legis, art. 3o).

Entretanto, os condomínios edilícios, ainda que antigos e não obrigados à adaptação, por suas assembleias e por decisão tomada com quórum compatível, havendo tecnologia para isso e custo razoável, podem implantar o sistema voluntariamente. Para efeito de aceitar quórum menos qualificado e dependendo do caso concreto (custo e complexidade), pode-se enquadrar essa obra como necessária, com fulcro no conceito de justiça, descartada a fria engenharia hidráulica. Na mesma linha, da boa consciência ambiental, os aglomerados urbanos têm cultivado o saudável hábito da reciclagem de lixo e as pressões legais e convencionais nesse sentido certamente vão aumentar.

O tema da sustentabilidade renova reflexões sobre o rateio das despesas condominiais, que deve, tanto quanto possível, ser justo e espelhar a intensidade do uso ou o proveito real de cada condômino, pelo mesmo princípio que fundamenta a individualização da responsabilidade pelo consumo da energia elétrica, da água e do gás.

No livro Condomínio, Estatuto da Cidade e Novo Código Civil (Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 68-80), comentei que o Código Civil (CC), em sua redação original, obrigava a que a fração ideal de terreno, que deve ser atribuída a cada unidade autônoma, fosse calculada com base no seu valor de mercado, sem permitir outro critério, como o da proporção da área construída privativa sobre a área total da edificação, mais comum. Combati esse conceito porque, entre outras razões, repercutiria na fixação do rateio das despesas condominiais, já que também a redação original do art. 1.336, inc. I, determinava que a contribuição de cada condômino fosse proporcional à fração ideal da respectiva unidade, sem permitir convenção em contrário, antes autorizada pelo art. 12, § 1o, da Lei no 4.591, de 1964. Essa omissão representava retrocesso e gerava dúvida sobre se subsistiria a faculdade de se utilizar outro critério de rateio.

A distorção original do CC nesses pontos foi, pouco depois da publicação de meu livro, corrigida, quando, então, a Lei no 10.931, de 2004, entre outras alterações, deu nova redação ao art. 1.336, inc. I, nele inserindo autorização para a convenção do condomínio estimar critério de rateio das despesas não proporcional à fração ideal da unidade imobiliária. A atribuição deve ser feita com cuidado. O incorporador competente ou o grupo que concebe a incorporação imobiliária pode antever e imaginar como o condomínio funcionará e fazer a profilaxia de inúmeros conflitos.

A responsabilidade pelas despesas condominiais não deve, obrigatoriamente, ser diretamente proporcional à fração ideal e, portanto, uma unidade autônoma, embora possa ser a mais valiosa, ter a maior área privativa e a fração ideal maior, poderá não ser a que, comparativamente, mais contribui, e a situação se complica muito nos grandes complexos condominiais de uso misto. O ideal é individualizar ao máximo, como acontece com o consumo de energia elétrica, de gás e, agora, de água. Não sendo isso possível por completo e com precisão, deve-se discriminar, ainda que de forma não exaustiva, entre as ordinárias e as extraordinárias, as despesas que incumbem a todos os condôminos de todas as edificações, em conjunto, porque a todos aproveita, além da respectiva proporção; e aquelas que interessam a uma ou mais edificações, porque apenas a elas beneficia, com as devidas quotas.

A intensidade do uso de determinada área, instalação ou coisa comum; o efetivo benefício de cada consorte em relação a cada serviço ou produto disponibilizado no condomínio; o uso residencial ou empresarial, entre outras, são circunstâncias que servem de parâmetro para a fixação da quota de cada condômino.

Em matéria de condomínio, tanto voluntário quanto edilício, impõe-se responsabilizar cada condômino “na proporção da sua parte” (CC, art. 1.315), expressão compatível com o paradigma do efetivo uso ou benefício individual. Preocupa-se a lei, p. ex., nessa esteira, com atribuir a responsabilidade por despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo “a quem delas se serve” (CC, art. 1.340).

Buscar a criação de ambiente condominial equilibrado e justo significa seguir os princípios básicos do instituto e, ao mesmo tempo, favorece a sustentabilidade em sentido amplo.